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O VICIADO NUNCA É LIVRE

Tenho 37 anos. Não fumo, não bebo e não uso drogas. No entanto, sou apaixonado por pornografia. Sempre olho filmes pornográficos sozinho. Já fui casado durante 12 anos. Me divorciei e tive duas namoradas. Não consigo manter um relacionamento duradouro. O sentimento pela companheira se esvai com o tempo — em média, são dois anos. Será que há alguma relação entre a minha paixão pela pornografia e a incapacidade de manter um relacionamento?

 

Não sei exatamente qual é o objeto da sua paixão, porque é impossível definir a pornografia ou demarcá-la do erotismo. Essas duas noções mudam com o passar dos séculos. Tanto Flaubert quanto Miller foram considerados pornográficos antes de serem clássicos. As fronteiras da pornografia variam de uma cultura para outra. Na Suécia, há muito que o ato sexual é exibido e olhado publicamente. Já nos países muçulmanos, a mais tímida exibição pode levar ao linchamento.

A palavra pornografiavem do grego pornê(prostituta) e graphê (escrita). Diz menos respeito à sexualidade propriamente dita do que à representação dela através da escrita ou da imagem. Já nos primórdios da humanidade, a sexualidade era representada — nas grutas de Lascaux na França ou nas grutas do Piauí no Brasil. Depois, aparece na Índia, no Japão, na China, na Grécia, em Pompeia… Isso porque o ato sexual é inseparável da sua representação.

No passado, a pornografia era reservada a um pequeno número de amadores — era produzida por artistas e consumida por um meio aristocrático, intelectual. Hoje, ela foi, por assim dizer, democratizada, está ao alcance de todos, e o seu maior suporte é o cinema, que se presta à exibição do mais íntimo e do mais recalcado. A pornografia contemporânea depende sobretudo do olhar e satisfaz a pulsão voyeurista.

Você me pergunta se há relação entre o gosto pela pornografia e a impossibilidade de ter um sentimento amoroso duradouro por alguém. Em princípio, não, mas o que te interessa é saber se no seu caso há relação ou não. Claro que, se você espera da parceira que ela satisfaça a sua pulsão voyeurista e ela não for exibicionista, não há como sustentar o namoro. A expressão cara-metadenão existe por acaso. A condição para que duas pessoas possam ficar juntas é que elas se complementem. A sua cara-metade não pode ser avessa ao exibicionismo.

O problema verdadeiro é ser viciado, porque o vício limita a sua liberdade. Para se livrar dele, vale a pena consultar um especialista e se tratar até descobrir por que você vive sujeito a uma pulsão incontrolável. Só a vida de quem é livre vale pena. Ademais, a sexualidade, sujeita a um vício, acaba se tornando enfadonha.

 

Publicado em Quem ama escuta