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Mãe é mãe

Você escreveu um dia na sua coluna: “Preferimos fazer de conta que não cometemos um lapso ou um ato falho a considerá-los e aprender com eles”. O que fazer quando a mãe da gente se torna cúmplice nisso? Como resistir a uma cumplicidade tão forte? Ouvi um escritor declarar na televisão que “mãe é bom à distância”.

Verdade que nós resistimos ao aprendizado que o ato falho sugere; e a mãe pode reforçar a nossa resistência. Imaginando que assim protege o filho, tende a encobrir as suas falhas, em vez de induzi-lo a extrair ensinamento delas. A cumplicidade pode ser danosa, mas quem está ciente do dano, como você, tem condições de não se deixar influenciar. Torna-se capaz de se distanciar sem romper. Sabe dizer não.

Mãe é bom à distância, desde que a gente dela não se perca. Carlito Maia, filósofo popular brasileiro, tem uma frase de que eu não me esqueço: “Quem tem mãe não sabe o que está perdendo”. Escreveu isso no dia em que a mãe morreu em um acidente.

A simples existência da mãe funciona como uma garantia imaginária de que é ela e não a gente que morre antes. Além de dar a vida, a mãe nos protege imaginariamente contra a morte. Ela nos protege porque a vida dela depende da nossa.

Sua questão me levou a reler “Kaddish para Naomi”, de Allen Ginsberg, o grande poeta da Beat Generation. No fim desse canto fúnebre em memória da mãe, Naomi, Ginsberg introduz a carta que recebeu dela dois dias depois de sua morte: “– Case-se, Allen, não tome drogas – a chave está entre as barras, na luz do sol da janela”. Embora ele tenha tido com a mãe uma relação dramática, a ponto de aceitar que fosse submetida à extirpação cirúrgica de um lobo do cérebro, termina o canto apresentando Naomi como protetora e a bendiz de várias maneiras: “Bendita seja você em lágrimas… nos medos na solidão dos teus últimos anos… na morte”.

Ginsberg também foi um grande poeta porque não se perdeu da mãe.

 QUEM TEM MÃE NÃO SABE O QUE ESTÁ PERDENDO


Publicado em Fale com ela