consulta com Betty Milan

ANTIMACHISTA

Um número muito expressivo de mulheres não se queixa eficazmente dos maridos na Delegacia da Mulher e continua a ser vítima do abuso de homens rudes e sem pudor.

Se levassem a sério as denúncias, muito marmanjo estaria lavando banheiro de pronto-socorro público no final de semana a fim de pagar a penalidade por ter agredido uma mulher.

 

Para que as denúncias fossem eficazes, seria preciso que o machismo não tivesse sido internalizado. O machismo desautoriza o desejo e o gozo feminino. Afirma que há um só desejo. Basta escutar Caetano Veloso ou Chico Buarque para se dar conta disso: “… ele é quem quer, ele é o homem, eu sou apenas uma mulher”, diz a canção de Caetano(53); ou “na presença dele eu me calo, eu de dia sou uma mulher, eu de noite sou seu cavalo, a cerveja dele é sagrada, a vontade dele é a mais justa”, diz a canção de Chico(54).

No machismo, o querer e o falar são do homem. O desejo feminino é ilegítimo. Em São Bernardo, de Graciliano Ramos(55), nós lemos que, se a mulher não se encolhe e se arrepia, ela é safada, e que é justo matar uma mulher supostamente infiel. A honra masculina exige a violência e tende a fazer do homem um assassino.

Nesse universo, a mulher não tem vez, e a sua emancipação requer uma consciência crítica que a luta feminista sustenta. No dia em que as mulheres recusarem a ética machista, a Delegacia da Mulher deixará de existir. Porque elas não se associarão mais a homens rudes e sem pudor. Saberão escolher o parceiro que merece ser amado, porque ama a feminilidade na companheira e em si próprio. Não teme a falha e a falta e pode expor a sua incompletude como no verso de Carpinejar: “tua nudez foi meu casaco aos ombros”(56).

Nada a ver com o homem que se apresenta como macho sim senhor e estabelece uma diferença de essência entre ele (forte, bom, puro) e a mulher (fraca, má, impura). Para ele, ela é o diabo, como no poema de Catulo da Paixão Cearense: “Nas marvadage do amô / não há cabra que não caia / quando o diabo tira a roupa / tira o chifre e tira o rabo / pra se vestir com uma saia”(57).

 

O MACHISMO DESAUTORIZA O DESEJO E O GOZO FEMININO

 

Publicado em Fale com ela