consulta com Betty Milan

QUEM CASA QUER COINCIDIR

Tenho 30 anos e meu namorado, 36. Nenhum de nós se casou ou teve filhos. Entre términos e recomeços, estamos juntos há quase seis anos. Sou superliberal. Não sei o que é limite na relação sexual entre nós dois. Participo de todas as fantasias do meu parceiro, mas estou desesperada, porque ele me convidou para ir a uma casa de swing.

Ele não é fiel, mas eu sou. Não me sinto atraída por outro homem, não traio. Sou mulher para casar e ter filhos. O meu namorado não poderia querer me colocar nessa roda. Eu jamais aceitaria trocar, ver outra com ele ou ficar com outro na sua frente.

Nós estávamos vivendo um período de muito carinho quando ele me fez a proposta. Não foi a primeira vez, porém agora foi sério. Rompi no mesmo dia. Me parece óbvio que ele não gosta de mim. Você concorda?

 

A fantasia dele que você aceita é a que você acha que ele deva ter. E não a que ele tem de fato. O seu namorado quer viver uma experiência sexual que te desagrada. Ela é incompatível com o casamento que você deseja — casamento em que o marido até pode trair, porém não pode se exibir e nem expor a mulher.

Num ensaio de 1905, Uma teoria sexual, Freud diz que a ocultação do corpo, exigida pela civilização, desperta a curiosidade sexual, e é através do olhar que a excitação é mais frequentemente despertada. Querer mostrar e ver é normal, segundo ele. Só há perversão quando a contemplação se limita aos genitais. Só nesse caso o sujeito pode ser chamado de exibicionista ou voyeur.

A sua posição é legítima. Só que a do namorado também é e ela se inscreve na tradição libertina, que é datada do século XVIII. O clube deswingda época era o bordel, frequentado em geral só pelos aristocratas franceses.

A grande referência literária dessa tradição é A filosofia na alcova do Marquês de Sade. Trata-se da educação erótica para uma moça. Madame de Saint-Ange — que se vangloria de ter transado com 12 mil homens depois do seu casamento — inicia a jovem Eugénie nos segredos da carne com a colaboração do irmão e do maior dos libertinos, Dolmancé. O livro é extraordinário pela convicção com a qual o Marquês defende o direito de imaginar, fazer e dizer. Ninguém foi mais longe nesse sentido do que ele. Isso lhe custou quase 30 anos de prisões sucessivas por “devassidão” e, no fim da vida, sem estar louco, foi internado num hospício.

Você fez bem de se separar de um homem cujos princípios não são os seus. Casamento só dá certo quando há coincidência. Agora, também seria bom ler A filosofia na alcovapara entender o imaginário do namorado, com quem, entre “términos e recomeços”, você ficou quase seis anos.

Popularmente se diz que “vivendo se aprende”. Na verdade, a pessoa só aprende se detendo no que viveu. Procure tirar da sua experiência um ensinamento válido para o futuro.

 

Publicado em Quem ama escuta