consulta com Betty Milan

MANTER SEGREDO É UM DIREITO

Dizem que eu tenho um problema de indefinição sexual. Transava com mulheres, era heterossexual. Aos 20 anos, comecei a sair com homens, era homossexual. No meio do caminho, me relacionei novamente com mulheres, era bissexual.

Quero manter a minha sexualidade oculta, porém acabo respondendo a contragosto ao desejo dos outros. Encarno o personagem que eles esperam de mim: o cara hétero, o caro homo, o que não pega ninguém.

Meus pais são liberais, mas me cobram uma posição sexual clara. Tenho medo do rótulo, das pressões que poderei sofrer por causa dele. Se disser que sou homossexual e depois me apaixonar por uma mulher, é complicado, vou ter que falar do meu passado, me explicar… Não sei o que sou, só sei que quero transar em segredo.

 

Para escapar às pressões sociais, você vive como quem entra em cena. Mas a vida não é o teatro — embora Shakespeare a tenha comparado a um teatro de loucos. No seu dia a dia, você não é um ator e o preço que você paga, agindo como se fosse, é alto. Para não dizer não aos outros, diz não a si mesmo. Vive contrariado, quando tem todo o direito de não falar da própria vida sexual. O que está em questão é a sua liberdade, que é um direito inalienável. Está escrito na Declaração dos direitos do homem.

No que diz respeito aos seus pais, eles não são liberais. Se fossem, não exigiriam de você uma definição impossível no atual momento da sua vida. Saberiam aceitar a possibilidade de transar com um homem, uma mulher ou com ninguém. Mesmo porque a indefinição sexual pode ser um trunfo. Isso é patente na obra de Praxíteles, o escultor grego, que se eternizou por ter sido o primeiro a esculpir — no século IV a.C. — um corpo de mulher nu.

As esculturas de Praxíteles são sexualmente ambíguas. Afrodite de Cnide — cujo santuário se tornou um lugar de peregrinação durante toda a Antiguidade — exibe pernas de homem e parece ter uma força hercúlea. O Apolo é um adolescente que, pelo corpo filiforme, a postura e o cabelo, evoca uma mulher. Os dois são arrebatadores, precisamente por serem ambíguos. Porque nasceram prometidos ao erotismo, à flecha sagrada de Eros, que faz bem pouco da “definição sexual”.

O seu desejo de se definir a partir do amor é absolutamente legítimo. Ademais, é a única saída quando a sexualidade depende do sentimento amoroso — como no seu caso. O problema é a dissociação entre o sexo e o sentimento que vigora nos tempos de hoje. A importância da pornografia é uma das provas disso.

Publicado em Quem ama escuta