consulta com Betty Milan

O AMANTE NÃO CENSURA O AMADO

Sou sensual. Chamo a atenção dos homens naturalmente. No entanto, sempre que a vida me presenteia com uma coincidência amorosa, tenho a impressão de que os homens ficam com medo e sabotam o que poderia vir a ser uma bonita história de amor.

Minha antiga psicóloga me dizia para disfarçar que os homens são medrosos. Mas como?

Não sou adepta do sofrimento e não tenho dificuldade de me separar. Só que eu me digo que deve haver outra maneira de superar o medo.

 

O seu e-mail me chamou a atenção, mas tive que reler mais de uma vez para saber qual é a sua questão. Porque você não se expressa claramente. Não há como saber, por exemplo, ao que você se refere quando usa a expressão coincidência amorosa. A uma transa, a um namoro, ao quê? Será mesmo que são “os homens” que têm medo ou será que é você? O que me permite formular essa hipótese é o modo como você me escreveu, disfarçando a sua questão, que é a de amar e ser amada, e não apenas desejada.

Sua psicóloga deve ser muito antiga, porque o tempo em que a mulher era aconselhada a disfarçar já vai longe. Trata-se de um conselho contrário ao desejo feminino que a “revolução sexual” liberou, dando enfim ao gozo das mulheres a mesma legitimidade que ao gozo dos homens.

Só o que faltava agora era voltar atrás no tempo e abrir mão da conquista dos anos 60 — a de dispor livremente do próprio corpo e da própria sexualidade. Tão livremente que A vida sexual de Catherine M., da crítica de arte francesa Catherine Millet, foi um verdadeiro sucesso de crítica e de público. Apoiando-se num trabalho de introspecção rigoroso, Catherine Millet conta a experiência, que ela desejava e viveu, de se entregar aos homens na presença do marido, do seu olho cúmplice e voyeur. Tantos homens que ela perdeu a conta. “Hoje, posso contabilizar 49 homens cujo sexo penetrou o meu e aos quais eu posso atribuir um nome ou, pelo menos, uma identidade. Mas sou incapaz de contar os que se confundem no anonimato.” Foi preciso, segundo Millet, ter uma atividade sexual sem limites, esquecer de si mesma, a ponto de se confundir com o outro, para que o seu corpo se tornasse tão capaz de receber quanto de dar.

Menciono este livro porque a audácia da autora é exemplar e pode servir para liberar as mulheres que ainda acreditam na necessidade de disfarçar o próprio desejo de serem desejadas ou amadas. Essa crença é tão contrária à igualdade dos sexos quanto ao amor. O amante não censura o desejo do amado, que ele antes procura satisfazer. O amor pode ser pudico, mas a censura ele não concebe.

 

Publicado em Quem ama escuta