consulta com Betty Milan

O AMOR É UM IDEAL DE VIDA

Desconfio que meu namorado me inveja e por isso me ama. Para ficar por perto e seguir meus passos, na esperança de ser como eu. Faz sentido? E será que eu o amo sabendo de tudo isso, ou represento um papel que eu própria não sei ainda qual é? Me ajude, estou sufocada.

 

Não é fácil entender a inveja. Pode-se dizer, por exemplo, que João tem inveja de Maria quando João não quer que Maria tenha o que ele, João, não quer ter. A inveja é um sentimento destrutivo, que não é o do seu namorado. Ele te idealiza, faz de você o seu ideal. Você é uma referência, como o pai ou a mãe ou o educador pode ser.

A idealização é um grande capítulo da Psicanálise por ser um grande capítulo da nossa vida. Ninguém se forma sem passar pela idealização, que é inseparável do narcisismo. Quando um indivíduo idealiza outro, ele se ama nesse outro. Se espelha, como Narciso no espelho d’água.

O amor, na verdade, tem sempre algo de narcísico. Por isso, o amante pode dizer para o amado: “— Eu sou você”. E o amado pode responder: “— Você sou eu”. Precisamente por este algo o amor é tão prazeroso.

Agora, quando o amante quer, como o seu, ser idêntico ao amado, as coisas se complicam. O amado fica sem um verdadeiro interlocutor. Porque, nesse caso, o amante não é um verdadeiro outro, ou seja, um outro que tenha um discurso próprio e portanto uma escuta. Você está sufocada por não ser escutada. A sua palavra não encontra eco. Isso, evidentemente, só muda se o seu namorado conseguir se escutar —para tanto, o melhor é fazer análise. Como você o ama, pode orientá-lo nesse sentido. Tendo a influência que tem sobre ele, não será difícil.

Você me pergunta ainda no seu e-mail se está representando um papel. Acho que está. Nunca pensou naquela dama antiga que inspirava o trovador e era venerada num pedestal? Foi uma grande dama, acredite. Sem ela, o amor como um ideal de vida superior, o chamado amor cortês, não teria nascido no Ocidente.

Este amor deve a sua criação a um grupo de poetas, no seio da nobreza feudal da Gália. Pode ser datado do século XII, que, segundo Octavio Paz, é o do nascimento da Europa. Pois é. Foi nesse século que apareceram as grandes criações da nossa civilização e, entre elas, a ideia do amor como forma de vida. Esta grande ideia implica a dama e o trovador.

O papel que você representa é um dos papéis femininos da História do Ocidente. Situada você já está. O problema é você não ter escolhido o seu papel e não ficar à vontade nele. Precisa se perguntar a que imperativo ancestral você responde para poder se liberar.

 

 

Publicado em Quem ama escuta