consulta com Betty Milan

O CAMINHO DA ARTE

Numa das suas colunas – Abuso sexual –, você escreveu a seguinte frase: “O que importa não é o que fizeram conosco, mas o que fazemos com o que os outros fizeram”.

Sofro com uma neurose obsessiva. Fiz anos de psicanálise e não melhorei quase nada. Não gosto do tratamento com remédios. Você tem alguma sugestão a me dar? O esporte ou a arte me ajudariam?

 

A frase a que você se refere é de Jean-Paul Sartre. Por um lado, ela faz pensar em nossa responsabilidade diante do que vivemos. Por outro, incita a reverter a situação em que estamos. Embora de autoria de um filósofo, poderia ter sido assinada por Lacan(29), que sempre procurou levar os analisandos a responder pelos seus atos. Sem isso, não há como alcançar a condição de sujeito. Não há como ser livre.

Você diz que sofre com uma neurose obsessiva, não gosta de tratamento com remédio e não melhorou com a psicanálise. Será que você escolheu o analista certo? Aquele cuja escuta leva o analisando a mudar? Há quem escolha o analista ou o médico que, por diferentes razões, não tem a possibilidade de tratar. E o seu tratamento, como foi? Você se empenhou em que ele tivesse resultados? De que modo você se separou do analista? Interrompendo sem mais a análise ou tendo chegado ao fim dela? O analisando também é responsável pela cura(30). Às vezes, sem uma consciência clara do que faz, ele a sabota. Ou porque se distancia da verdade no que diz sobre o sintoma ou porque não segue o tratamento.

Que tal se deter nas questões acima sem deixar de procurar no esporte e na arte o que cada uma dessas atividades pode dar? Quando Van Gogh(31) foi para o asilo por causa dos ataques epiléticos, só a pintura o tranqüilizava, e a arte deu a ele a eternidade. A Holanda se tornou indissociável das representações que ele fez, dos plantadores de batata ou dos girassóis. Ninguém visita Amsterdã sem ir ao museu onde os quadros de Van Gogh estão. A história da pintura passa por sua inesquecível pincelada e pelo uso tão pessoal da cor – o mais arbitrário possível para exprimir com força as paixões humanas. Em 1890, quando ele morreu, a sua obra era quase desconhecida. Atualmente, sempre que é exposta, as filas são intermináveis.

 

O ANALISANDO TAMBÉM É RESPONSÁVEL PELA CURA


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