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QUEM TEME A PERDA JÁ PERDEU

Tenho 42 anos e sofro diariamente por causa do medo de perder as pessoas das quais gosto. Elas estão comigo, mas é como se eu vivesse no futuro e elas estivessem doentes ou mortas. Não consigo viver no presente e sentir alegria com a presença delas. Só esqueço o medo quando durmo. Quando abro os olhos, ele volta.

Meu marido diz que é falta do que fazer, só que eu não sou uma pessoa desocupada. Estou pensando em tomar tranquilizantes. O que você acha?

 

Por não suportar a perda, você sofre diariamente. O seu e-mail exemplifica o que o Buda diz. Para ele, o sofrimento é decorrente do apego e só é possível se livrar dele pela supressão do desejo, o que implica “conhecimento e pensamento certos, linguagem, ação, existência, esforço, atenção e meditação adequados”. Ou seja, uma existência de asceta. O Buda viveu no século VI a.C., um século de filósofos, pois Confúcio, Lao Tse, Pitágoras e Heráclito foram seus contemporâneos.

No primeiro século d.C., viveu Sêneca, escritor e filósofo romano, que parece ter escrito o que segue pensando em você: “Não há maior calamidade do que uma alma preocupada com o futuro, infeliz antes da infelicidade e permanentemente angustiada diante da ideia de não poder conservar até o fim o que ela ama”. Porque “nunca saberá do repouso e, na esperança do futuro, perderá o presente de que poderia gozar”. Perder uma coisa, segundo ele, ou temer a perda dá no mesmo.

O caminho indicado pelo Buda — também chamado de via óctupla — é para os ascetas. Sêneca é um diretor de consciência e o drama que te aflige tem uma razão inconsciente. Requer o saber do Doutor Freud, que inaugurou um campo novo com o conceito de inconsciente. Um conceito cuja necessidade ele justificou mais de uma vez por saber que nos infligia uma ferida narcísica.

Você precisa descobrir por que vive continuamente com as pessoas presentes como se elas estivessem doentes ou mortas. Ou seja, tendo perdido o que ainda não perdeu. Há com certeza uma razão para isso, que só o trabalho analítico pode revelar. Nada substitui a fala do analisando e a escuta do analista. O tranquilizante tranquiliza, porém não acaba com a ideia que atormenta. Melhor fazer análise. Custa mais caro. Só que é sempre melhor pagar com dinheiro do que com a própria vida. Dinheiro a gente ganha de novo. A vida é uma só.

 

Publicado em Quem ama escuta