consulta com Betty Milan

A LIBERDADE REMOÇA

Fui casada durante 14 anos. O meu marido era o provedor, o salvador e o algoz, tal o assédio moral que ele me infligia. Acreditando na minha incapacidade, perdi espaço profissional e social.

Sexo e diálogo sempre foram ruins. Procurei refúgio em um amante, também casado, com quem fiquei 12 anos. Um dia, me dei conta de que estava envelhecida por só viver a vida deles. Comecei a fazer terapia e tive forças para me separar. Primeiro, do marido. Depois, do amante, quando descobri que ele me traía.

Hoje, me sinto aliviada e até remocei. Estou tentando abrir caminhos novos para deixar de ser dependente. Só não entendo o meu mal-estar, sempre que vejo o meu ex com outra. Primeiro, imaginei que era ciúme. Hoje, acho que é sentimento de abandono. Mas como posso me sentir abandonada se estou feliz sem ele?

 

Você deve ter sido educada para aceitar a condição de mulher dependente do marido, só viver a vida dele, como se amor fosse sinônimo de alienação. Do contrário, não teria vivido 14 anos com um algoz, perdendo espaço profissional e social. Felizmente, você teve forças para se separar, dar o seu grito de independência. A sua história é feliz, pois mostra que a liberdade remoça e contenta.

Sartre diz que o homem primeiro existe, depois se encontra, surge no mundo e se define. Para o existencialismo, o homem é o que ele faz de si mesmo. Daí, a grande frase de Simone de Beauvoir: “Mulher a gente não nasce, a gente se torna”. A vida é paradoxal e o que importa é se valer da dificuldade para se renovar, dar a volta por cima e ir em frente. Aqui, vale citar uma das frases do meu filósofo popular brasileiro preferido, Carlito Maia: “Não começar a parar e não parar de começar”.

Para o sentimento de abandono a que você se refere, acho que há duas razões. Primeiro, ele te abandonou mesmo, ignorando o teu desejo e te assediando. Segundo, você cultiva a mágoa. Ninguém fica tanto tempo no casamento em que você ficou sem apego ao sofrimento. Noutras palavras, você se separou do homem sádico ao qual estava ligada, porém ainda falta se separar do gozo masoquista. Foi uma troca de pele incompleta.

A fim de abrir os caminhos novos que você procura e viver um verdadeiro amor, precisa se livrar do masoquismo, que é indissociável do sadismo. Um e outro são incompatíveis com o amor por uma razão simples: o amante deseja o que o amado deseja. “—O que for bom para você é bom para mim”, é o que ele diz. Na essência, o amor é isso e o resto é desvio. Sei bem que o desvio predomina, mas e daí? Quanto mais a gente se aproxima do amor feliz, melhor é.

 

 

Publicado em Quem ama escuta