consulta com Betty Milan

O ANALISTA ESCUTA PARA QUE O ANALISANDO POSSA SE ESCUTAR

Há alguns meses, escrevi um e-mail e você gentilmente me respondeu numa das suas colunas. Sugeria que eu procurasse um analista e foi o que eu fiz.

O analista tinha publicações consistentes e era simpático. Fiquei rapidamente muito ligada a ele, que, aliás, incentivou isso. Um dia, eu vi um distintivo do meu time em cima da mesa e quis conversar sobre o assunto. Respondeu simplesmente que havia esquecido o distintivo depois de jogar botão com um dos seus pacientes jovens.

Minha relação com o analista me livrou da depressão pelo encantamento que causou. Quando eu expus isso, ele me disse que achava melhor interromper o tratamento. Acho que fiz uma escolha errada, mas ela me mostrou o perigo do encantamento quando não conhecemos o outro bem. Acho que, depois dessa análise, nunca mais.

 

 

Você escolheu um analista pelos livros que ele escreveu e pela simpatia que ele despertou. O profissional em questão soube fazer você ficar ligada a ele. Sem esta ligação, cujo nome técnico é transferência, não tem análise. Um dia, você quis conversar sobre o seu time e ele desconversou. Com razão, porque a função dele não era conversar com a analisanda, e sim dar a ela condições para trabalhar bem, ou seja, associar livremente e decifrar o próprio inconsciente.

Há várias analogias entre o analista e o amigo. Tanto um quanto outro evita a luta de prestígio e escuta, porém a escuta de um não é semelhante à do outro e a finalidade das duas é diferente. O analista escuta para que o analisando possa se surpreender, escutar o que diz e encontrar uma saída nova para si. Não se envolve com ele porque a neutralidade é a condição da sua eficiência. O amigo ajuda como pode, sofre e se alegra junto. A relação é de outra natureza.

Você diz que se livrou da depressão pelo encantamento. Livrar-se da depressão sempre é bom. Mas a via do encantamento não é a mais segura. Para superar a depressão verdadeiramente é preciso descobrir a sua causa, e, com a interrupção da análise, isso se tornou impossível.

A razão da interrupção me escapa. De duas uma. Ou o analista se encantou por você e não se sentia mais em condições de ser neutro ou achou que você fazia mau uso da análise e não quis mais gastar o latim dele com você. No primeiro caso, por ter se deixado seduzir, ele falhou. No segundo, procedeu como devia, impedindo que você se servisse da sessão para continuar na ignorância.

Não foi por acaso que Lacan insistiu na sessão curta, que precipita a fala e obriga a dizer o essencial. Isso custou a ele a expulsão da Sociedade Internacional de Psicanálise, mas propiciou, aos que aceitaram a sua proposta, descobertas relevantes em relação à própria história.

 

Publicado em Quem ama escuta