consulta com Betty Milan

O BOM CLÍNICO SABE ESCUTAR

Descobri sua coluna como quem descobre um tesouro. Trata-se de uma aula poética. Sou psicólogo e acredito que, na clínica, o fato de ser humano conta mais do que a técnica. Mas estou enfrentando problemas graves. Tenho poucos pacientes e isso me desespera. Porque não consigo me sustentar e muitas vezes recorro aos meus pais. Também me frustra saber que o trabalho não está dando certo. Para dizer a verdade, fico com inveja de profissionais que conseguem arranjar pacientes facilmente.

Nunca parei de estudar, tenho pós-graduação em Psicanálise e fiz três anos de análise. Sei que deveria fazer mais, porém não tenho como pagar. Mal pago as contas no fim do mês. Às vezes, me parece que profissionais de sucesso, na área da Psicanálise, sempre foram ricos. Você, por exemplo. Só alguém que tem dinheiro pode fazer uma formação tão boa e completa como a sua.

Minha namorada não é de fazer pressão. Sinto, no entanto, que seria bom para ela eu estar mais bem-estabelecido. Os rapazes da minha idade (tenho 29) já têm casa, carro… e eu, sempre esperando. Me pergunto se é possível ser psicanalista sem ter dinheiro.

 

O bom clínico é aquele que sabe escutar. Que se exercitou suficientemente nesta arte para receber a mensagem do analisando e a devolver com um sentido novo. Isso implica ter se escutado a ponto de se tornar verdadeiramente disponível, ou seja, poder fazer abstração de si mesmo. O que sustenta a prática analítica é a escuta competente, que provoca a transferência e traz “os pacientes”, ou melhor, os analisandos.

Ninguém tem clínica porque cursou Psicologia ou fez um curso de mestrado em Psicanálise. Para tanto, é preciso ter se analisado até poder se autorizar como analista. Isso significa dar prioridade à análise e pagar consigo próprio — pagar o custo que for necessário para decifrar o inconsciente e se livrar dos valores da representação.

Por outro lado, o analista não deve depender do consultório para o seu sustento básico. Simplesmente porque fica dependente do analisando e corre o risco de fazer concessões, aceitando um mau uso do tempo da sessão. Lacan recomendava aos alunos que tivessem um trabalho institucional para se sustentar. Com todos os diplomas que você tem, não deve ser difícil encontrar um emprego.

Quanto à questão do sucesso, ela é de somenos para a Psicanálise, que se interessa sobretudo pela razão do fracasso. A questão não é ser ou não ser rico, mas ser ou não capaz de trilhar o caminho, que nunca é fácil e pode ser árduo. O melhor livro que você pode ler sobre isso é O dia em que Lacan me adotou, de Gérard Haddad, editado no Brasil pela Companhia de Freud.

Haddad cursou Agronomia e se exercia com sucesso na profissão, trabalhando na África para resolver a questão da fome. Em 1969, começou uma análise cotidiana e custosa com o mestre. Custosa do ponto de vista subjetivo e objetivo. Paralelamente, abandonou a Agronomia para cursar Medicina e enfrentou dificuldades econômicas sérias. No livro, ele expõe isso e conta, de forma muito clara, a metamorfose decorrente da análise. Vale a pena ler.

 

 

Publicado em Quem ama escuta