consulta com Betty Milan

A REPETIÇÃO É UMA ARMADILHA

Aprecio seu trabalho porque, sem apelar para jargões teóricos, você consegue dar luz a quem está com a alma doente.

Sou filha única. Quando tinha 4 anos, minha mãe começou a manifestar distúrbios psiquiátricos. Não duvido do amor dela por mim, mas, desde que nasci, ela rivaliza comigo por causa do meu pai. Depois que fiquei doente — fibromialgia — e tive que parar de trabalhar com horários certos, passo mais tempo em casa e a competição aumentou. Cada surto dela me deixa mais doente. Ela tem 68 anos e não vai mudar.

Tentei a terapia cognitiva comportamental por um ano. Detestei. Me senti como um rato do Pavlov. Fiz psicanálise por muito tempo, mas na época errada. Me deprimi ainda mais.

Já melhorei muito da fibromialgia, que, no meu caso, é grave. Cheguei a tomar morfina por um período. Gostaria de uma palavra sua, para não continuar caindo na armadilha emocional que minha mãe monta. Inclusive porque sou deprimida e já tentei me matar três vezes. Nunca quis ter filhos ou me casar, com medo de que a história familiar se repita.

 

O seu caso é de vida ou morte. Ou sai da situação em que se encontra ou não tem como viver. Mas, ao se referir a esta situação, você usa a palavrajogo. Por razões inconscientes, você e sua mãe rivalizam e se entregam ao jogo perverso da exclusão. Ou ela ou eu. Em vez de ela e eu, pois você e sua mãe estão doentes e precisam do entendimento e da paz.

Trata-se evidentemente de um gozo destrutivo ao qual nenhuma das duas resiste, mas que você — por estar à procura de uma luz — pode estancar se bater na porta certa. Porta que não é a da terapia comportamental, pois você só vai renunciar ao seu gozo atual descobrindo o que te move. Pode ser a da Psicanálise, que não resolve a depressão quando esta requer tratamento medicamentoso, mas permite reorientar a vida e controlar a depressão.

Milagre não existe, é preciso trilhar o caminho para encontrá-lo. E você já sofreu o suficiente onde está para dizer enfim não à repetição e se deslocar. Isso implicará uma nova consciência da sua situação, que decorre do imaginário do seu pai, da sua mãe e do seu. Vocês três são vítimas da mesma armadilha inconsciente e é possível não cair mais nela.

O simples fato de você ter me escrito é a prova de que você quer uma mudança. Pelo conteúdo do seu e-mail, sabe que a mudança depende de uma iniciativa sua. Com isso na cabeça, é só ir em frente, fazendo do seu querer um recurso para enfrentar o presente e moldar o futuro.

 

Publicado em Quem ama escuta