consulta com Betty Milan

O PAI QUE SE DEIXA EDUCAR PELO FILHO ENSINA A ESCUTAR

Tenho 30 anos e sou a primogênita de quatro irmãos. Somos todos apaixonados pela minha mãe, que procura ser amiga, companheira e conselheira. Já pelo meu pai, eu não consigo ter admiração ou respeito. Não me sinto nada bem com isso.

Até os 5 anos de idade, eu idolatrava meu pai. Mas, de repente, ele se tornou áspero e violento. Hoje, com 63 anos, continua assim. Não o agrido e nem bato de frente com ele, como meus irmãos. Trato com educação.

Sei que não posso amá-lo como amo minha mãe, porém gostaria de não ter um sentimento de mágoa, repulsa e raiva em relação ao homem que figura na minha certidão de nascimento como pai.

 

Nós somos educados para amar o pai e a mãe incondicionalmente. Por isso mesmo, eles se dão o direito de abusar. Um pai áspero e violento faz tudo para não ser amado e já é ótimo você não bater de frente, tratar com educação. Da mágoa, da repulsa e da raiva você se livra quando se der conta de que a aspereza e a violência não têm nada a ver com você. De que seu pai é assim por razões que dizem respeito a ele, embora você sofra as consequências.

A vida não é como a gente gostaria que fosse, e sim como ela é. Nós sofremos por não aceitar a realidade. Não é possível ser feliz sem ser resignado. Todas as religiões ensinam isso e, por este ensinamento, todas são boas.

A resignação no seu caso será uma conquista, porque você vive no culto da paixão do amor e do ódio. Assim, ou bem diz que é apaixonada pela mãe ou que idolatrava o pai ou que tem raiva dele. Você vive na cultura da paixão, como aliás o seu pai, que se entrega à violência. Entre você e ele existe uma relação especular, embora você seja educada e ele, não. O fato é que você tem um caminho a percorrer para se livrar da cultura da sua infância.

O problema da família é acreditar que, no contexto dela, tudo é permitido, quando obviamente não pode ser. Na falta de limites, o ambiente familiar se torna nefasto. Esse foi um dos temas da Antipsiquiatria, que desabrochou nos anos 70 e teve como principais expoentes Ronald Laing e David Cooper. Morte da família, de Cooper, é um livro que vale a pena reler, ainda que seja porque nele o autor pergunta: “Quando os pais vão se deixar educar pelos filhos?”. A pergunta encerra um projeto que, por si só, justifica o movimento da Antipsiquiatria. Porque o pai que se deixa educar pelo filho ensina a escuta e a paz.

 

Publicado em Quem ama escuta